quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Radiojornalismo simplista demais

O entendimento dos caminhos do rádio e do radiojornalismo só é possível de ser vislumbrado dentro das transformações que ocorrem neste início de século XXI. Numa sociedade em processo de midiatização o veículo disputa com as novas mídias mais do que espaço para a conquista da audiência. Disputa sua sobrevivência com meio de comunicação, confirmando a idéia de que nenhum veículo desaparece diante do surgimento de outro.

As emissoras, de uma forma geral as de freqüência modulada (AM) se dedicam parcial ou totalmente ao jornalismo. Neste aspecto, considerado como importante fonte de informação, tendo como um dos motivos a sua fácil inserção no âmbito social, o jornalismo praticado nas emissoras tem históricas consequências diretamente perceptíveis na humanidade. É o caso de “Guerra dos mundos”, radiograma dirigido por Orson Welles e veiculado pela cadeia de rádios CBS, no dia 30 de outubro de 1938, nos Estados Unidos. O programa foi capaz de desencadear uma onda de pânico nos EUA, com mortes por suicídio e acidentes em série, na desenfreada fuga de uma suposta invasão da terra por marcianos. O efeito de realidade das mensagens levadas ao ar se deu de forma convincente por meio de uma cobertura jornalística.

Mas este exemplo de jornalismo praticado na primeira metade do século passado parece não dar mais conta da complexidade da sociedade atual. As empresas jornalísticas enfrentam novos desafios a partir de duas perspectivas: a do rendimento econômico e da inovação tecnológica. Novas máquinas, novos planejamentos gráficos, lançamento de edições eletrônicas e interatividade. São apenas algumas das estratégias para fidelizar o receptor.

Mas muitos dos empresários não foram capazes de entender que a profunda transformação provocada pelos novos fenômenos da sociedadade em midiatização implicou no nascimento de uma nova etapa. Os meios de comunicação se configuram como elemento-chave na atualidade. Por sua vez, uma das principais características neste novo ambiente a que se está referindo é uma sociedade acontecedora, em que não existem nem decisões nem acontecimentos isolados. Todos os acontecimentos têm causas e efeitos que podem produzir-se muito distantes, mas que interconectam-se à frente, numa rede mundial de interdependências.

Na desesperada busca pela audiência, modificar formatos e oferecer novos serviços não foram soluções capazes de dar conta da demanda cada vez mais exigente, em busca de informações contextualizadas e que sejam capazes de remeter a um amplo entendimento de todas as dimensões dos fatos que envolvem sua vida. Quem problematiza esta questão é a professora de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Chile, Mar de Fontcuberta. Para ela, uma das exigências da sociedade é a capacidade de previsão do presente. E esse presente não pode ser enxergado com um olhar simplista, mas com uma abordagem fundamentada de maneira teórica, interpretativa e antecipatória.

Diante dos problemas apontados por uma sociedade em que os fenômenos sociais são cada vez mais interligados, quando as ações empreendidas para encontrar uma solução a um tema podem provocar a aparição de problemas piores daquele que se pretende solucionar, a resposta que os campos da ciência, política e economia dão seria a simplificação. E este entendimento pode ser estendido às práticas jornalísticas.
Segundo Fontcuberta, o princípio da simplificação “o bien separa lo que esta ligado (disjunción) o bien unifica lo que es diverso (reducción). Y por lo tanto, distorsiona”. A separação e a redução estão presentes na maioria das pautas jornalísticas configurando o que Abrahan Moles denomina de cultura mosaico para se referir aos conteúdos oferecidos pela mídia que podem ser definidos como fragmentados, atomizados e publicados sem nenhuma hierarquização.

A desagregação de informações, da explicação dos conteúdos mediante a simplificação, a busca por responder a um formato preestabelecido e, ainda, a construção de pautas sem articulação com outras são marcas do jornalismo atual e que, de acordo com a professora chilena podem ser denominado de Jornalismo Mosaico.

Para compreender melhor a perspectiva de entendimento do jornalismo praticado na atualidade, partindo do conceito de Jornalismo Mosaico apresentado por Fontcuberta e que sustenta a avaliação das práticas do jornalismo na atualidade, partir-se-á para a descrição de um exemplo o qual não apenas configura uma realidade pontual, mas pode ilustrar bem o que se vislumbra em diversos meios de comunicação.
O que se propõe aqui é a análise de uma síntese noticiosa de uma emissora localizada no interior do Rio Grande do Sul, na cidade de Santa Maria – RS. A escolha do programa e da emissora se deu por causa da representatividade que o mesmo tem para a comunidade local, que conta com 13 empresas de radiodifusão.

O programa, que tem em média 5 minutos, vai ao ar de hora em hora. O roteiro conta com espaços para notícias locais e nacionais de diferentes temas. Também o espaço da Previsão do Tempo para a região central do RS. No entanto, este não é produzido pelos profissionais da emissora. É um boletim gravado em São Paulo. A descontextualização dos acontecimentos narrados (marca do Jornalismo Mosaico) pode ser vislumbrada numa transcrição (abaixo) de parte do programa levado ao ar no dia 05 de dezembro de 2009, às 10 e 30 da manhã.

- A campanha de Natal do Centro de Ciências Rurais está de volta./ Ela vai arrecadar brinquedos em bom estado de conservação até o dia 16 e doar às crianças da escola Celina de Moraes.//

- Programação de Natal de Santa Maria contará com onze eventos até o dia 23./A praça Saldanha Marinho, no calçadão, deverá abrigar diversas apresentações, todas com enfoque natalino.//

Mesmo sendo o programa analisado uma síntese noticiosa, com características de agilidade e concisão textual (marcas deste gênero radiofônico), a simplificação do texto radiojornalístico pode causar a distorção dos sentidos dados pelo receptor. No primeiro exemplo, o produtor do texto deve ter presumido que os ouvintes sabem o que é o Centro de Ciências Rurais, deixando de informar, para melhor contextualização da informação veiculada, que a entidade citada pertence à Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Outra informação interessante que deveria aparecer no texto, mesmo que numa única frase, é da maneira como a comunidade poderia participar da campanha e o local de arrecadação dos brinquedos.

Já no segundo exemplo citado acima também desqualifica o radiojornalísmo produzido pela emissora em estudo. Sinal de falhas na prática jornalística podem ser apontado quando a notícia veiculada, baseada no pressuposto de que apenas informar o número de eventos e o local de ocorrência dos mesmos, sem mesmo citar quais serão, parece ser generalista demais e, por sua vez, é simplista a ponto de pouco informar o ouvinte sintonizado. O uso de termos como deverá e diversas nada contribui para um entendimento contextualizado sobre o (s) acontecimento (s).

Um diagnóstico sobre o contéudo citado acima aponta características vislumbradas pela professora Fontcuberta. O que há é uma explicação do conteúdo (os acontecimentos) mediante a simplificação, respondendo a um formato pré-estabelecido de construção da notícia e de roteirização do programa. Estes indícios demonstram que a produção jornalística funciona dentro de uma lógica sistêmica fechada (regrada), onde não há articulação com fatos anteriores e posteriores ao (s) acontecimento (s) e, por fim, mediante um olhar mais subjetivo, pode-se dizer que a emissora concebe a sua audiência como um simples grupo de consumidores de informação.

As considerações feitas acima poderiam se estender a outros exemplos da cultura mosaico lançando seus tentáculos sobre diversas redações jornalísticas. Dentro da lógica comercial a que os meios de comunicação estão submetidos, a sustentação dos mesmos se dará apenas a partir do empenho na qualificação das práticas jornalísticas. Nessas condições, desde já se sugere novas formas de gerenciamento.

As sugestões partem do entendimento de um processo de produção jornalística a partir de um sistema. Explico. Um sistema pode ser compreendido com uma totalidade complexa de elementos compostos por diferentes partes que estão inter-relacionadas e que interagem em uma organização. Esse conhecimento, cabe fazer a referência, deve ser atribuído ao que Fontcuberta chama de Jornalismo Sistema.

A lógica produtiva passa pelo desenvolvimento de um Jornalismo que não desagregue os acontecimentos, mas que os contemple e os articule em um contexto determinado e estabeleça uma gama de interações com os receptores, sendo estes capazes de contribuir com a construção do sentido e a compreensão da realidade. Para Mar de Fontcuberta, o Jornalismo Sistema explica “procesos en los que los hechos aparentemente nuevos o inesperados son las sucesivas puntas de muchos icebergs sociales cuyas partes ocultas nunca fueron lo suficientemente mostradas”.

É preciso ter bem definida a ressalva de que os critérios de qualidade da informação nem sempre são fáceis de definir, e muito menos de levar a prática. Para uma emissora de rádio, como a que se estudou neste texto, em primeiro lugar deve ser considerado o objetivo de bem servir os cidadãos. O dever do Jornalismo é mais do que descrever os acontecimentos. A informação deve ser confiável e suficientemente completa para permitir uma real compreensão da atualidade. O entendimento das informações publicadas exige, cada uma, explicação de suas causas e um questionamento acerca de suas conseqüências.

O futuro do Jornalismo está em função da qualidade da informação. E esta afirmação tem uma justificativa: um receptor cada vez mais complexo e, por conseguinte, mais exigente. Afinal, como nunca, o cidadão tem sua vida atravessada pelas novas tecnologias e, por conseguinte, pela mídia. Em meio a uma explosão de informações, o receptor está cada vez mais capacitado a refletir sobre os acontecimentos que o cercam no cotidiano. A cada dia, ele está mais capacitado a selecionar as fontes e os meios de comunicação que necessita ler/ouvir/ver/acessar.

Por fim, uma das principais responsabilidades do Jornalismo é oferecer uma informação que possibilite ao receptor a construção progressiva de seu conhecimento acerca da sociedade em que vive e facultar-lhe as ferramentas necessárias para desenvolver-se com autonomia. Que considere o receptor não apenas com um consumidor automático de informações, mas um receptor consciente, “[...] que se aproxima a los médios con la exigencia de encontrar no sólo información sino significados”.
________________________________________________
Por Maicon Elias Kroth, jornalista pela UNISC e mestre pela PUCRS, doutorando em Comunicação Social pela Unisinos.

0 comentários:

Postar um comentário

 

Ensaios Críticos Copyright © 2009 WoodMag is Designed by Ipietoon for Free Blogger Template