terça-feira, 12 de janeiro de 2010

A auto referencialidade como estratégia

Onde está o real propósito do Jornalismo?


Peut-on parler sérieusement des médias dans les médias? Patrick Champagne

“Conheça nossa redação”, “Veja como o jornal é feito”, “Conheça nossos bastidores” “Saiba como é feito um programa de TV” são chamadas cada vez mais corriqueiras nos veículos de comunicação. O que não era adotado enquanto prática jornalística acaba tornando-se conteúdo principal em jornais e canais de televisão, impactando no esmaecimento do jornalismo enquanto compromisso social.

As grandes corporações midiáticas, detentoras do poder de projetar ofertas de sentido tornam o jornalismo “um discurso feito por uma instituição e que bajula a si mesma”, como dizia Ramonet (1999, p. 56), pois preocupam-se em produzir seus próprios materiais informativos destinados somente a falar de si mesmas em espaços destinados à pratica da disseminação da informação. Infelizmente, o que não é observado, nem é dito, frente a esse movimento crescente, é o esmaecimento do real propósito do jornalismo, o de explicar à sociedade os fatos e de formar o presente real de referência (GOMIS, 1990).

Compreendemos que o ato de autorreferenciar, adotado de maneira febril na atualidade, tentaria recobrir o que ficaria de fora das rotinas de produção, ou seja, tentaria mostrar o que não é visto, o que está nos bastidores e não chega até a tela da TV, ou ao jornal impresso, ou ao ouvinte de rádio. Trata-se de uma tentativa de chamar o leitor para si, convidando-o a fazer parte do seu mundo, conhecendo esta realidade.

Mas onde essas estratégias ganham força? Qual seriam os verdadeiros motivos pelos quais o jornalismo na atualidade deixaria de lado o seu real propósito e passaria a falar cada vez mais de si mesmo? A resposta a esse e outros questionamentos precisa necessariamente estar exposta a nós, consumidores midiáticos que buscam nessas ferramentas a informação através da verdade, do presente e do social.

Onde a autorreferência encontra guarida...

Cada vez mais, menos pessoas vêem, escutam ou lêem a mesma coisa. Na sociedade impregnada pela emergência dos mais variados meios de comunicação, os indivíduos estão na TV – nos mais variados canais -, no rádio – nas diversas estações –, na internet – nos incontáveis locais da web –, recebendo cada vez menos as mesmas coisas.

Com essa heterogeneidade formada pela recepção, o lugar de produção lida com certo mal-estar da perda do contato com o outro: o seu interlocutor. Em função dessa ruptura, dessa falta do outro, geram-se incompletudes que são tratadas cada vez mais por estratégias autorreferenciais para sintomatizar a existência da produção (FAUSTO NETO, 2007).

A autopromoção, como forma de (re?)afirmar sua posição no mercado, acaba se tornando prioritária em relação ao objeto central dos meios de comunicação. Esta tendência pode ser verificada nas estratégias autorreferenciais utilizadas pelo Grupo RBS. Observa-se, por exemplo, alusões frequentes a rotinas de produção dos veículos. Dados sugerem a formação de uma figura, que agrupa algumas estratégias utilizadas para autorreferenciar os processos internos de produção do Grupo RBS:



A figura acima é composta por círculos que estão conectados uns aos outros. Cada círculo representa um subsistema de práticas midiáticas, onde são desenvolvidos produtos com objetivo de autorreferenciar a organização. São eles:

1. Campanhas Institucionais – Campanhas publicitárias focadas na instituição Grupo RBS e que buscam falar dos bastidores dos meios de comunicação administrados pelo Grupo. Atualmente, veicula-se em rádio e TV a campanha: “Pra fazer a TV que você vê, a gente faz muita coisa que você não vê”.

2. Carta do Editor– Veiculada na Zero Hora Dominical, a carta do Editor-Chefe de Zero Hora, Ricardo Stefanelli, é também disponibilizada no Blog do Editor. Todo domingo, ele fornece algum parecer sobre o Jornal. Sempre referenciando os bastidores e o modo de fazer jornalismo do Grupo RBS.

3. Você Repórter – Canal interativo que propõe ao leitor o envio de matérias e fotos sobre acontecimentos presenciados. O canal funciona on line no site Clic RBS junto do canal Pelas Ruas.

4. Pelas Ruas – Unidade Móvel de Zero Hora, que fica disponível aos leitores para deslocamento e cobertura de acontecimentos, através do contato pelo site, o leitor sugere pautas para cobertura.

5. ZH Responde – O “ZH Responde” é um canal on line, inaugurado em 23 de novembro de 2008, que tem como objetivo revelar rotinas de produção de Zero Hora, tanto sobre a redação do jornal impresso como do zerohora.com. A promessa do canal é oferecer ao leitor um espaço onde será possível conhecer os mais variados processos jornalísticos: quem são os profissionais de Zero Hora, como é produzida uma matéria, etc.

6. Blogs dos Jornalistas – Cerca de 300 blogs são hospedados no Clic RBS. Entre eles, estão os dos jornalistas de Zero Hora, que falam sobre os mais variados assuntos. Como, por exemplo, o da repórter Guarcira Merlin, que chama-se A Extrenauta, e tem como objetivo falar dos bastidores da redação da TV e jornal;

7. Blog do Editor – Lançado em 17 de outubro de 2009, o blog é uma ferramenta que tem como objetivo compartilhar a “vida na redação” através de posts diários feitos diretamente pelos editores do Jornal Zero Hora. As postagens falam sobre o dia a dia na redação: as dificuldades de fazer um jornal diário, a confecção da capa, etc. É hospedado no mesmo ambiente dos demais blogs dos jornalistas.

É possível observar que cada um dos elos que compõem a figura possui funções em si e funções que travam contiguidade com os outros, ou seja, não são elementos pensados de forma singular, mas sim, componentes de uma orquestra maior, que aqui estamos considerando enquanto um sistema.

Esse sistema mostra-se como um nicho que abarca um desenho de concepção estratégica de comunicação adotada pela organização: Falar de si mesmo, tendo como objetivo trazer o leitor cada vez mais próximo e cada vez mais imerso nessa cultura, fazendo isso através da sua matéria significante ofertada – o jornalismo.

Essa estratégia é velada, pois acontece de forma silenciosa, não estando explícita aos consumidores/leitores. Percebe-se a crescente expansão deste modelo de estratégia com a velocidade da criação de novos canais com propósitos análogos.

* * *

É possível perceber que a recuperação do contato com o outro, a busca pela fidelização do relacionamento produção-recepção, é pregada pela estratégia autorreferencial do Grupo RBS. Esse propósito é instaurado nos simbólicos contratos de leitura, apresentados nessa ambiência formada por diversos dispositivos jornalísticos: blogs, colunas do jornal, campanhas, entre outros.

O produto do jornalismo estaria ameaçado por essa simbólica destinada entre outros objetivos a gerar completudes. O apagamento do propósito de informar estaria assegurado pelo recurso da autopromoção, impregnado de estratégias veladas, interessadas em gerar vínculo com o leitorado.

Respondemos ao questionamento inicial, realizado por Patrick Champagne Peut-on parler sérieusement des médias dans les médias? (1999 p. 1): junto com o autor, pois, entendemos que não é possível falar seriamente das mídias nas mídias, seja para criticar, seja para buscar a venda de uma boa imagem. Portanto, estaríamos, sim, frente a um novo movimento midiático que parece surgir em massa e que não diz respeito ao jornalismo que buscamos enquanto projeto social, mas sim, a uma busca pelo vínculo e pela fidelização dos leitores/consumidores midiáticos.

Essa estrutura organizada estrategicamente pelas empresas midiáticas parece corresponder a uma teia formada por espaços “vazios” e sustentada por conexões com o interlocutor. Nessa teia, cada um de nós, a cada passo estaria mais preso e mais envolvido pela curiosidade do desconhecido e do obscuro, que reside nos bastidores.
Para finalizarmos, recuperamos uma questão aclamada em épocas de defesa do diploma profissional para a categoria jornalística, mas ousamos em fazê-la buscando novas respostas que independem dessa classe trabalhadora, mas sim das grandes corporações detentoras da hegemonia midiática: Qual o futuro do jornalismo?

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Por Luana Goulart Teixeira - Graduada em Relações Públicas pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS (2008), Mestranda em Comunicação Social – Processos Midiáticos pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Atua como Relações Públicas da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE).

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