terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Jornalismo Investigativo na Rede

A forma como estão configurados os processos de apuração e produção de notícias na internet atualmente coloca produtor e receptor no mesmo ambiente. O jornalismo transforma o que é transmitido nos jornais através da produção para internet em blogs, sites, dando um novo sentido às relações.

O envolvimento de cidadãos comuns que antes atuavam como leitores na publicação e na edição dos conteúdos jornalísticos tormou-se uma prática comum, chamada Jornalismo Participativo ou Jornalismo Cidadão. Esta influência do público na produção da informação proporciona impactos diretos nas práticas tradicionais do fazer jornalístico que antes centralizava o conteúdo no editor. O conteúdo colaborativo permite que indivíduos não apenas publiquem como também compartilhem informações na rede.

Nos portais de notícias ou nos weblogs essa forma de produção aumenta o volume de informações fazendo com que os usuários interajam, atuando como co-produtores de notícias. Nesse contexto, observamos a produção do blog Direto da Fonte, do jornalista investigativo Giovani Grizotti, vinculado ao site da RBS TV através do link www.clicrbs.com. O blog veicula informações de cunho investigativo abordando temas como política, saúde, educação e segurança pública. Trata-se de uma plataforma onde o jornalista antecipa notícias e publica o andamento das investigações.
Um weblog, em sua forma estrutural, é uma rede constantemente construída e reconstruída através das trocas sociais, formando redes emergentes expressas a partir de interações entre os atores, onde os comentários proporcionam a criação de laços dialógicos. Redes sociais na internet têm um potencial imenso para colaborar, para mobilizar e para transformar a sociedade. Essas redes ampliaram as possibilidades de conexões e por conseqüência também a capacidade de difusão de informações. Logo, a sociedade se percebe e interage a partir da mídia além dos dispositivos tradicionais.

O jornalismo é uma das profissões mais afetadas pelas mudanças que se instauram no processo de produção. O jornalista é uma espécie de organizador da realidade que nos oferta a possibilidade de compreensão de sentidos por meio de uma lógica.

A investigação jornalística realizada pelo jornalista Giovani Grizotti durante o mês de novembro de 2009, sobre o golpe dos empréstimos aos aposentados e pensionistas do INSS, pode ser enquadrada neste novo contexto. A cobertura apresentada no blog limitou-se a três postagens, a primeira publicada em 15 de novembro de 2009, intitulada: “Golpe do empréstimo lesa aposentados”; a segunda no dia 16 do mesmo mês: “Dados do INSS teriam sido vazados em Santa Maria” e finalizando o assunto dia 19, com a postagem: “Preso golpista que vendia cadastros do INSS”. Este fazer jornalístico destaca-se pelas técnicas de apuração utilizadas, que são peculiares e se diferenciam da rotina convencional. Na concepção de Sequeira (2005), existe uma categoria jornalística específica intitulada jornalismo investigativo, diferenciada das outras pelo processo de trabalho dos profissionais, obrigados a lançar mão de metodologias e estratégias nada ortodoxas.

Na mídia atual, tal prática jornalística foge dos padrões da produção de informação por consistir em um processo que exige maior tempo e planejamento, no qual o repórter prima pelos detalhes. Esse processo tem a função de questionar as causas e os efeitos dos fatos, procurando explicá-los. Não se trata apenas de acompanhar o desdobramento de um evento, mas de explorar as suas implicações, levantar antecedentes – em suma, investigar e interpretar (LAGE, 2003).

A cobertura realizada por Grizotti no blog apresentou os desdobramentos do acontecimento atualizando o acontecimento para o leitor. Entretanto, não houve uma preocupação em explorar os antecedentes e o histórico do acontecimento visando apresentar um quadro das incidências anteriores de golpes ou fraudes na Instituição.
No blog de Giovani Grizotti os conteúdos das matérias estão dispostos de forma fragmentada e simplificada. Tal forma impede o leitor de acompanhar o desenrolar do acontecimento passo a passo. A fragmentação acaba por descontextualizar o conteúdo na medida em que não há uma preocupação em recuperar o acontecimento inicial e sim em noticiar o factual, o momentâneo, o chamado “furo”. A professora de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Chile, Mar de Fontcuberta, desenvolveu em suas pesquisas o conceito de Jornalismo Mosaico. Por este conceito entende-se uma forma de produção fragmentada, exposta, sem nenhuma hierarquização. Para a professora, os meios de comunicação são elementos chaves em uma sociedade complexa, onde já não há mais espaço para um jornalismo simplista. Assim, para atender essa sociedade, a prática do jornalismo deve oferecer uma boa fundamentação teórica visando suprir a necessidade de se traduzir fenômenos complexos ao público.

O que pudemos identificar no blog foi uma cobertura breve, incompleta, sem recuperação dos elementos que fizeram emergir o acontecimento, evidenciando uma preocupação com dados e não com seus significados.

Para Charaudeau (2007), a questão do acontecimento é frequentemente mal colocada no mundo das mídias, pois passa pela construção de sentido do sujeito enunciador, que o transforma em um “mundo comentado”. O acontecimento se configura então nesse espaço comentado, antes de sua percepção interpretativa. Assim, nunca é transmitido à instância de recepção em seu estado bruto, depende do olhar que se estende sobre ele, olhar de um sujeito que o integra num sistema de pensamento e o torna inteligível sendo construído sempre através da linguagem. Ou seja, é através da fala que o sujeito enunciador confere significação aos fatos e aos enquadramentos em que foram realizados os processos de seleção e produção da informação.

Neste contexto, uma boa reportagem é aquela que apresenta ao menos duas perspectivas com objetividade e imparcialidade. Assim, a mídia é o principal elo entre o que acontece no mundo e a representação das imagens desses acontecimentos atuando como uma formadora de consensos. Como consequência disso, existe a perda ou a redução do sentido original.

A investigação realizada por Grizotti fica comprometida no momento em que se torna factual, fragmentada, não atendendo às premissas de uma boa investigação jornalística. O jornalismo investigativo tem como principal característica desvendar as causas, as origens de um acontecimento, sem nunca ficar limitado ao factual. Essa prática relaciona-se com o jornalismo interpretativo na medida em que indaga sobre as causas e origens dos acontecimentos, buscando a relação entre eles para oferecer explicações de sua ocorrência ao público. Não se trata somente de uma questão de denúncia e espetacularização da notícia, mas sim de uma atitude social e responsável.

A cultura da mídia promove o espetáculo com vistas a conquistar a audiência, prejudicando a qualidade da informação que chega ao público. O importante é que fique clara a relevância de se fazer um jornalismo sério e comprometido com a sociedade, para que não sejam distorcidos os procedimentos de uma boa reportagem investigativa de maneira que se volte para a fragmentação da cobertura e para o sensacionalismo, acabando por alimentar a indústria do espetáculo
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Por Daiana de Oliveira Martins, formada em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo pelo Centro Universitário Franciscano - Unifra - Santa Maria, mestranda em Comunicação Social na UNISINOS.

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