segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

A era da convergência digital...

A era da convergência digital sob reflexos da menoridade kantiana

Falar em convergência de mídias, para muitos, pode parecer um planejamento do futuro ou possibilidades para serem alcançadas vislumbrando o que há de vir com a televisão digital. Porém, ela já vem acontecendo. A abordagem da convergência procede acerca das questões que integram redes, como a informática, as telecomunicações, o ramo da produção de informações e o audiovisual. Convergência é um conceito antigo que assume novos significados; ela refere-se a um processo e não a um ponto final.
Envolve as transformações da maneira de produção, transmissão e também de consumo dos produtos comunicacionais. Aliado a essa caracterização, se refere também, ao processo de penetração de uma mídia em outras. Sendo assim, desde as primeiras experiências de internet isso ocorre.

Outras mídias apropriaram-se da web como forma de manter a audiência e aumentar as vendas. Cabe pensar a internet como espaço de interação e mediação entre os vários campos que coexistem nas sociedades. O jornal impresso, por exemplo, apareceu na rede primeiramente adotando as suas características tradicionais, porém sendo online. Contudo, com o passar do tempo necessariamente acumulou especificidades. Na questão comercial a repetição dos modelos também acontece, o jornal leva para web os mesmos padrões de negociações obtidas na versão de papel. A assinatura, publicidade e até mesmo o sistema de classificados passam a coexistir na internet. Entretanto agregando valores e não sendo uma troca, pois as versões impressas continuam.
Com os outros meios de comunicação, também vem ocorrendo dessa maneira. Isso porque, através da internet os produtos comunicacionais podem tomar dimensões mundiais, tanto para quem a utiliza, como para os investimentos. O que se apresenta é uma tendência ao global nos diversos níveis de interesse, por exemplo, econômicos, políticos e sociais, visto que gera maior tempo e probabilidade de aplicações por parte empresarial, tanto pela facilidade e mobilidade, como pela audiência espalhada por horários variados.

A internet é o exemplo mais clássico de convergência, entretanto, outros meios de comunicação estão incorporando - e a cada dia mais - em suas rotinas de trabalhos outras mídias. É comum ligar a televisão e ouvir referência a algum site ou jornal impresso, porém, atualmente o processo de convergência vem sendo ainda mais profundo.
Parece ter virado rotina o programa Fantástico, da TV Globo, exibir os vídeos mais visitados na web durante a semana. Diversos audiovisuais, feitos por amadores ou profissionais, chegam ao programa dominical como uma experiência que chamou atenção nos últimos dias. A estratégia adotada é que a partir dos materiais captados se apresente à temática e aprofunde o assunto. Uma maneira de não deixar de mostrar aquilo que anda fazendo sucesso em outros veículos de comunicação. Contudo, como muitas vezes os conteúdos desses vídeos têm baixo grau de interesse são agregados aspectos para torná-los mais atrativos.

No último domingo o programa exibiu o vídeo sucesso de acessos no portal Terra, durante a semana anterior, em que Peter Hitchener, um jornalista australiano, aparece na bancada do jornal das 18 horas do Canal “9 News” em Melbourne, quando é surpreendido por um pássaro andando na imagem de fundo do telejornal que é capturada por uma câmera externa dedicada à captura de imagens panorâmicas da cidade.

Uma gaivota gigante foi motivo de 69.905 acessos no portal e conseqüentemente a televisão seguiu a onda. Para atrair mais as atenções, além da exibição do material, o programa televisivo mostrou como aconteceu o fato. Dando enfoque a produção televisiva com a utilização de Croma Key (tecnologia capaz de trocar um cenário de cor sólida por imagens captadas) e discorrendo sobre o estilo de lente utilizada naquela filmadora (a grande angular) que amplia o campo de visão e permite captar imagens panorâmicas devido ao aumento do ângulo da lente e a distância focal o que nesse caso deu um efeito gigantesco ao pássaro que passou muito próximo da máquina.
É a convergência entre televisão, internet e novamente televisão. Um exemplo, entre tantos outros de como vem ocorrendo esse processo. Todavia, vale o questionamento do quanto ele favorece a difusão audiovisual? Em outras palavras, de que maneira essa tecnologia disponível para convergir meios vem auxiliando no processo de divulgação de fatos ou de melhorias em favor do telespectador?

A convergência, por muitas vezes é motivada principalmente pelo valor do capital. Em busca da garantia de telespectadores e por conseqüência de financiamento para seus produtos os veículos buscam se inserir cada vez em mais mercados diversos. É como se fosse uma busca incessante pelo que chama mais atenção. Se os olhares estão para internet, não basta lutar por esse espaço, vale também incorporar ele na rotina antes estabelecida. Quando o programa busca trabalhar em cima de um vídeo que teve quase 70 mil espectadores, ele busca garantir também a sua audiência para continuar contado com seus financiadores e dessa forma garantir seu posto.

Não me refiro a algum problema que venha acontecendo, mas a um ponto de reflexões. Há uma tendência em pensar que o tecnológico traz mais condições para a produção informacional, entretanto, nem sempre esse é o fator condicionante, vale pensar no motivo gerador da produção para compreender as questões abordadas. Nesses casos a informação passa ao segundo plano, e o público espectador, ainda comporta-se como no tempo do iluminismo referido por Kant, onde a pensamento é moldado por terceiros que conduzem as rédeas da vida da grande massa.

Nesse sentido Kant afirma que a menoridade quando feita uma escolha pessoal, e não uma falta de capacidade para compreensão e distinção do que é bom e útil, é culpa do próprio cidadão. Aqueles que têm a capacidade de refletir sobre os aspectos abordados e perceber a falta de conteúdo e a adoção da tecnologia pela tecnologia também são responsáveis pela informação que é passada ao conjunto social.
Referente aos profissionais e empresas de comunicação essa responsabilidade passa a ser ainda maior. Quando se trata de televisão, tomando de empréstimo as palavras de Kant, “é, pois, difícil a cada homem depreender-se da menoridade que para ele se tornou/quase uma natureza. Até lhe ganhou amor e é por agora realmente incapaz de se servir do seu próprio entendimento, porque nunca lhe permitiu fazer uma tal tentativa” Ou seja, é difícil fazer a crítica e principalmente torná-la prática. Tomar decisões que mobilizem profundamente nas estruturas fazendo um movimento no cotidiano social capaz de buscar um novo modo de produção que corresponda aquilo que acredita-se necessário e não aquilo que acostumou-se a ver.

Com a convergência esse processo torna-se ainda mais complexo. A produção passa a ser em maior escala - aumenta e muito a facilidade de publicação de conteúdos, que através do domínio de técnicas é possível a publicação de notícias a cada instante em diversos suportes - e desse modo as notícias incorporada em reportagens ou programas superficiais perpassam o mundo, não pela sua força intelectual, mas pelo mais variados apelos atrativos ao grande público e apoiado pelas elites da comunicação que a publicam com a justificativa de ser da vontade social. E esses “novos preconceitos, justamente como os antigos, servirão de rédeas à grande massa destituída de pensamento”.

As teorias elaboradas perante as condições do período do iluminismo também bordam o contexto midiático atual. É pela precariedade da construção da informação que se faz necessário um espaço de crítica. O que está sendo feito é pela construção de uma qualidade comunicacional ou pela força vantajosa do capital equivalente da audiência? É preciso que as massas tomem conta da menoridade que as faz caminhar dependentes e passem a aproveita-se das facilidades da convergência para ser agente da sua própria trajetória.

Da mesma forma que uma empresa de comunicação apropria-se de um vídeo com baixo teor de informação útil, essa pode buscar outro tipo de conteúdos de acordo com o que o público passe a exigir. Com a internet é possível maior interação e dessa maneira o usuário mais consciente pode postar seus próprios vídeos, ou opinar naquilo que mais lhe agrada. A internet é esse espaço aberto que já está condicionando a lógica informacional.

Entretanto, com as diversas possibilidades, abre-se um espaço para uma nova televisão, que ainda não foi difundida plenamente devido às barreiras ainda encontradas, como a baixa velocidade de conexão que causa travamentos ou tempo demasiadamente grande para serem carregados no computador do usuário. Essa longa espera pelo carregamento, ou os pulos de imagens e áudio são motivos fortes para não fidelizar a audiência. Outro elemento, que requer muita reflexão e investimento, é a expansão quanti-qualitativa da educação tradicional-digital, formando cidadãos cognitivamente aptos e motivados a buscar na internet conteúdos diferenciados, com relação ao modelo das indústrias culturais.

Essa diferenciação, no quesito escolha, ainda não faz parte do cotidiano social. Os usuários ainda estão muito ligados ao modelo de fluxo e de poucas escolhas (menoridade). Em um país, onde a maior parte da população ainda utiliza somente televisão aberta, essa passagem para um formato onde a grade de programação pode depender do usuário ainda causa estranhamento ligado a falta de desprendimento para um pensar por si só. Dessa maneira, não é possível somente julgar os cidadãos, mas sim é preciso que haja um processo de formação, para que se sintam capacitados a optar sem essa educação é provável que mesmo com as diversas possibilidades os usuários sigam pacíficos e sem interagir com a comunicação audiovisual recebendo o produto ofertado sem maiores reflexões.

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Por Maíra Bittencourt, Mestranda em Ciências da Comunicação na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), Jornalista, graduada em Comunicação Social – hab. Jornalismo. pela Universidade Católica de Pelotas. bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e membro do Grupo de Pesquisa CEPOS (apoiado pela Ford Foundation).

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